Opinião

Congresso só quer gastar mais

Ativos na cobrança e omissos na ação, parlamentares criam despesas despropositadas para o governo que criticam

Por Mary Zaidan

Menos hábil e capaz do que a imagem que vendia de si, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a dar a pinta de se equilibrar entre afagos ao presidente Lula e os opositores do governo. Durou pouco, como bem sabiam os safos políticos do Centrão, que, após deixarem o jovem presidente da Câmara viver seus dias de glória, atrelaram-lhe o cabresto. Mas o fizeram com tanta voracidade que o tiro pode ter acertado a culatra.

Na segunda-feira, depois de comemorar um acordo fechado na véspera com o ministro da Fazenda Fernando Haddad e líderes partidários sobre novas regras fiscais, Motta deu um giro de 180º. Negou a proposta e descumpriu tratativas feitas com governo, algumas delas antes de sua eleição, como a de indicar um petista para a relatoria da Comissão de Orçamento. Sua inflexão veio acompanhada do recrudescimento de cobranças das lideranças da oposição de que Lula só faz ajuste pelo lado da receita, com aumento de impostos, sem cortar gastos. Ainda que parcialmente verdadeiro, trata-se de um discurso raso e irresponsável.

O movimento foi tão radical que se voltou contra o Congresso, até então pouco ou quase nada cobrado por analistas quanto ao seu quinhão no propalado e necessário ajuste das contas públicas.

Ao contrário do que dizem suas excelências, o Parlamento está se lixando para o dinheiro dos impostos dos cidadãos. Gasta muito, gasta mal, e se esquiva quando é chamado a cortar gastos.

Em 2023, o Congresso travou e venceu a briga com Haddad quanto à desoneração da folha de pagamentos para 17 setores ditos empregadores, que há anos têm regalias fiscais que não se traduzem em aumento do trabalho formal. Tratava-se de uma iniciativa de cortes estruturais, algo raro no governo. Mas os parlamentares sucumbiram diante da pressão dos beneficiados, entre eles a sempre gulosa indústria automotiva, prorrogando os descontos por mais um quadriênio, ao custo de R$ 12,2 bilhões ao ano. Na mesma lei, outros R$ 33,7 bilhões se perderam na aprovação da desoneração previdenciária de funcionários municipais.

O ministro da Fazenda também tentou acabar com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado para amparar o segmento durante a pandemia, emergência hoje inexistente, com renúncia fiscal superior a R$ 15 bilhões. Foi derrotado. E desde o ano passado, o Congresso enrola sobre o projeto de governo regulamentando a aposentadoria de militares, cuja aprovação significaria uma economia anual de R$ 2 bilhões.

Ativos na cobrança e omissos na ação, parlamentares criam despesas despropositadas para o governo que criticam.

A Câmara já aprovou um projeto que aumenta de 513 para 527 o número total de deputados, ao custo de R$ 39,1 milhões ao ano. Nesta semana chegou ao cúmulo de atrelar a votação desse inchaço à isenção do imposto de renda para os que ganham até R$ 5 mil. Pior: suas excelências rejeitam de antemão aumentar impostos para os mais ricos, medida proposta pelo governo para custear a isenção. Também se renderam ao lobby das apostas esportivas, antecipando que não aceitam ampliar os impostos das Bets de 12% para 18%.

Não há dúvidas de que o governo precisa enxugar gastos e buscar equilíbrio das contas, mas não há lógica que o Executivo fique com todos os ônus. É inadmissível que o Judiciário continue ampliando salários e benefícios como se não fosse custeado pelos impostos, e que deputados e senadores – e isso vale para todos os partidos – considerem “imexíveis” os R$ 50 bilhões previstos para emendas parlamentares. É muito dinheiro, boa parte sem rastreio, que escorre direto para municípios e para alguns bolsos, como já demonstraram investigações da Polícia Federal.

Como cereja do bolo, Motta, atiçado pelo Centrão e com apoio até de petistas, apareceu com um projeto para permitir que deputados e senadores acumulem salários e aposentadorias, algo vetado desde 1997. Um acinte.

As chamadas ao Congresso para que ele faça a sua parte até podem provocar algum desconforto. Infelizmente, não tão forte a ponto de o juízo suplantar a desfaçatez.

Mary Zaidan é jornalista

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