Opinião

Dois craques, um encontro: Sebastião Salgado e Pelé

E aí eu gritei o nome do Pelé. Gritei com tudo que eu tinha. Gritei: “Pelé! Pelé! Pelé!” Foi a minha única arma. E funcionou

Por Roberto Caminha

Nesta sexta-feira, o Brasil perdeu um de seus mais geniais artistas: Sebastião Salgado, o Rei da Imagem. Um fotógrafo que usava sua lente como poucos usam a palavra — com profundidade, beleza e compromisso. Ao saber de sua partida em um click, não pude deixar de lembrar de outro craque que também já se foi, Peé. E é sobre esses dois gênios, tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos, que quero chorar. Os dois substituíam a dor pelo prazer.

Sebastião Salgado registrou o mundo com os olhos de quem entende que a vida vale mais do que o espetáculo. Fotografou os miseráveis, os exilados, os trabalhadores invisíveis, as belezas esquecidas da natureza e da humanidade. Já Pelé encantou o mundo com os pés. Era o espetáculo em pessoa. E, curiosamente, um salvou a vida do outro — literalmente.

Em uma participação no Programa do Jô, onde se falava do Pelé, Sebastião contou uma história inacreditável. Ele estava na África, em uma de suas muitas expedições para registrar tribos isoladas, quando tudo saiu do controle. Chegou a uma pequena cidade e foi alertado: “É melhor sair daqui. Os mercenários estão chegando. São homens perigosos, sem piedade, armados até os dentes, e sem qualquer respeito pela vida — muito menos pela imprensa.

Sebastião, acostumado com a coragem e talvez confiando demais na bondade brasileira, respondeu que era da imprensa, que era do Brasil, e mostrou seu colete com a palavra “PRESS”. O guia olhou pra ele com pena e respondeu: “Eles não sabem ler. Isso não vai nos proteger.”

Pouco depois, a tragédia começou. Vários jipes invadiram a cidade. Os mercenários desceram, armados com machetes, e começaram a gritar, amarrar, espancar e molestar os moradores. Sebastião foi um dos capturados, amarrado a um poste, sangrando, esperando o fim. Era o tipo de momento em que a vida passa inteira diante dos seus próprios olhos. Ele teve a certeza que jamais sairia vivo dali.

Foi então que, no meio da dança ritual que antecedia mais um banho de sangue, Sebastião, talvez por desespero ou por um lampejo de esperança, começou a gritar: “Brasil! Brasil! Pelé! Pelé! Pelé!”

Ele disse para todo o brasil ouvir, no Programa do Jô, bem tarde da noite:
“E aí eu gritei o nome do Pelé. Gritei com tudo que eu tinha. Gritei: Pelé! Pelé! Pelé! Foi a minha única arma. E funcionou.”

Os homens pararam. O imenso chefe dos mercenários se aproximou, olhou para ele com surpresa e perguntou: “Football? Brasil? Pelé?”

Sebastião respondeu: “Sim! Football! Pelé!” Num instante, tudo mudou. O ambiente de ódio e violência deu lugar a um novo tipo de reverência. “Pelé! Pelé!” os homens, deram-se as mãos e começaram a dançar e cantar em torno da fonte, armados, como se tivessem visto um santo. E foi assim, graças ao nome de um arcanjo, jogador de futebol, que Sebastião Salgado sobreviveu.

Essa história, passada no Show do Jô, nos mostra duas coisas: A primeira é o poder da arte brasileira — seja ela pelas câmeras e imagens ou pelo esporte e a amizade, da inteligência e intimidade do Pelé com a bola. A segunda é que o Brasil ainda tem filhos que conquistam o mundo com o que têm de melhor: talento, humanidade, beleza e verdades.

Pelé, com a sua bola, fez o mundo se curvar diante da magia de um menino negro de Três Corações. Sebastião, com sua câmera, mostrou que o ser humano, na sua luta diária pela sobrevivência, precisa ser visto e entendido para que possamos mudar muita coisa.

Agora, os dois estão juntos. Quem sabe Pelé não permaneça driblando estrelas enquanto Sebastião registra tudo com sua lente celestial? Talvez estejam unindo seus talentos para continuar salvando vidas, inspirando garotos, líderes e velhos, na difícil tarefa de emocionar líderes..

O Brasil precisa lembrar desses dois craques. Um, rei do futebol; o outro, rei das imagens. Ambos, reis da vida.

Obrigado, Sebastião Salgado! Obrigado, Pelé! Vocês mostraram que o Brasil pode ir muito além dos seus problemas, quando seus filhos se dedicam com amor, coragem e beleza àquilo que fazem. Que suas vidas continuem nos inspirando — aqui e onde quer que estejam agora. Os dois, juntos, mostrarão aos nossos dirigentes, em imagens espetaculares, que o Brasil só é dos brasileiros quando a direita é do Garrincha e a esquerda é do Zagallo. Eles agregam a nossa terrinha e tudo começa a dar certo.

Vale o aviso que vem do Sebastião Salgado:

“Ainda se morre de malária por visitar a Amazônia”

Roberto Caminha Filho, economista, viu e cumprimentou o genial Sebastião, dia 28 de janeiro de 2025, no Aeroporto de Congonhas, como se fossem velhos amigos. Ele respondeu.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *