Do leitor

Kombosa branca

Por Hermélio Silva

Estava deitado numa rede, em posição de fastio, no restaurante Mangai, em João Pessoa, após me empanturrar com uma boa buchada de bode e outras delícias daquele lugar. Minha esposa e meu casal de filhos estavam gastando o tempo em apreciar os vários tipos de sucos de frutas da região, que não conheciam, como cajá, mangaba e graviola. Saborearam os vários tipos de doces e o mais comentado foi o de caju em calda.

Tirei uma soneca e veio um sonho da nossa viagem de São Paulo até a Paraíba: saímos da capital paulista, minha esposa, as crianças e eu, às cinco da matina. Rodamos até o meio-dia e paramos para abastecer o carro e a gente. Era verão e o tempo estava muito quente. Usamos as dependências do posto de combustíveis para tomarmos banho e refrescarmos as ideias. Almoçamos no restaurante e tiramos um cochilo na própria viatura. Tempo depois, pegamos a estrada novamente.

À noitinha paramos noutro posto à beira da estrada para reabastecer, argumento usado para estabelecer um bom papo com o pessoal do posto e pegar confiança para estacionar no pátio e dormir dentro do carro para não gastarmos com hospedagem. Os colchonetes já ficavam dispostos no assoalho do carango.

Pela manhã tornamos a engolir estrada. Claro que não corríamos além do permitido, primeiro porque somos precavidos e, segundo, porque o próprio veículo não tinha tanta potência. Eu pisava no acelerador e o carro insistia em não correr além do seu limite. Pisava e ele não andava.

Minha esposa, uma bela paulistana no auge de sua beleza, aos 31 anos, de olhos castanhos e pele clara combinando com todo conjunto, seu olhar e suas madeixas escorridas sobre os ombros, controlava-me todo o tempo para que eu não ultrapassasse os limites estabelecidos pelas autoridades de trânsito.

Meu filho de oito anos, também claro, dos cabelos encaracolados como os meus, e minha filhinha de seis anos, fotocópia da mãe, ficavam pulando no banco traseiro do carro ou em brincadeiras intermináveis, que só interrompiam para pedir água e biscoitos.

O maior susto que passamos foi numa curva, onde eu destecia o volante e a kombi não fazia a curva por completo; tinha um queixo muito duro, parecia que íamos bater no acostamento, mas conseguimos fazer a curva. Juro que nunca mais pego uma banguela para economizar gasolina nas curvas. Preocupado só com a curva não vi crescer à minha frente a traseira de um caminhão, que trafegava numa velocidade menor que a nossa; acionei os freios com toda a força que tinha, mas o carro não parava, apenas diminuía a velocidade aos poucos. Engatei a terceira marcha e tirei o pé da embreagem para reduzir com motor. Já estava na segunda marcha. Freava e o veículo não parava. Tudo assustador. A garagem de doido continuava a crescer na minha frente e o pé continuava no freio, que me deixava com medo de quebrar o pedal, devido a tanta força que eu fazia. Não havia maneira de passar pela esquerda porque tinha uma mureta e, pela direita do caminhão, tinha uma ribanceira. Sentia o cheiro de pneus queimando no asfalto. Chamei por todos os santos e vi que minha esposa estava pálida. O meu joelho já estava coçando, quando a frente do carro lambeu a carroceria do caminhão e esse começou a se distanciar lentamente. Andamos mais alguns quilômetros e paramos num ponto de apoio. Só aí foi que senti um tremor na minha perna esquerda e um nervosismo incomum. Procurei não transparecer para minha família e acabamos dormindo naquele local, após o jantar, onde comi apenas dois pedaços de um frango: a asa e uma banda dele.

Li a frase que havia colocado no vidro traseiro do carro e compreendi de fato o texto: Kombosa, venenosa e tenebrosa.

O sol já raiava quando seguimos o roteiro. Já tínhamos esquecido o perigo do dia anterior. A rodovia estava com pouco movimento, mas era mão dupla. A viagem rendeu. Só quando passava os caminhões é que se criava um vácuo e a perua teimava em navegar sem controle, como se tivesse vontade própria.

Final de tarde, meus filhos estavam encantados com a imensidão do mar que nos acompanhava e os pés de cajus que ornavam a estrada. Chegamos à bela capital paraibana e fomos recebidos pelos meus pais. Só festa.

Agora estava aqui tirando uma soneca para dar um tempo para levar meus paulistanos queridos para passear pela cidade e depois conhecer as praias urbanas de Tambaú e Cabo Branco, vendo o pôr-do-sol, e comer um peixe frito, acompanhado de uma cerva bem gelada.

 

Hermélio Silva – Formado em Marketing, escritor com 24 livros publicados. Membro fundador da Academia Rondonopolitana de Letras – ARL, cadeira nº 06. Membro do Comitê Nacional de Cerimonial Público – CNCP. Secretário de Comunicação da Câmara Municipal de Rondonópolis (2015 e 2016, 2018…).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *