Opinião

Anjos iguais a você – Marília Mendonça

EDUARDO GOMES
eduardogomes.ega@gmail.com

Marília Mendonça cantando e encantando
Suas poesias autênticas e atrevidas para os padrões machistas não deixam dúvida quanto ao espírito  independente que a mulher deve manter em seus relacionamentos. Somada à letra, a doçura da voz. Assim era a goianinha Marília Dias Mendonça, a Rainha da Sofrência, com um enigmático sorriso e a meiguice daquele olhar penetrante que é componente imprescindível para elas.

A goianinha que conquistou o coração brasileiro e virou musa sertaneja sendo coroada de Rainha da Sofrência partiu na sexta-feira, 5 deste novembro, na queda ou tentativa de pouso forçado do bimotor turboélice King Air que a levaria de Goiânia, onde vivia, para um show na mineira Caratinga de Agnaldo TimóteoZiraldo e da bela Staël Maria da Rocha AbelhaTimóteo, o cantor romântico. Ziraldo e seu traço inconfundível, que deu vida nos quadrinhos ao Saci-pererê; e Staël, a Miss Brasil arrasa-quarteirão, que ganhou o cetro 14 anos antes que em Cristinópolis Marília Mendonça chorasse pela primeira vez, há 26 anos.

Marília Mendonça continua entre nós, com sua música autoral e na interpretação de outras vozes que ganharam as paradas de sucesso. Seu adeus é uma triste página do sentimento nacional, que em lugar nenhum do mundo é tão profundamente externado nos momentos tristes, quanto nessa terra de JKSanta Dulce dos PobresSantos DumontPlácido de CastroBento GonçalvesAna Neri, Irmã Adelis e tantos outros grandes vultos.

Também entre nós permanece o Aeroporto de Ubaporanga, que seria o destino do King Air prefixo PT-ONJ, da empresa Táxi Aéro PEC, de Goiânia, pilotado pelo comandante piauiense Geraldo Martins de Medeiros Júnior e secundado pelo copiloto Tarcísio Pessoa Viana. Ambos os tripulantes morreram no local juntamente com todos os passageiros – além da Rainha da Sofrência, o produtor Henrique Ribeiro e o tio dela, Abicieli Silveira Dias Filho.

O espaço aéreo mineiro, em sua quase totalidade, é perigoso para a aviação, inclusive a executiva, que opera em pistas curtas com obstáculos naturais nas cabeceiras – como é o caso de Ubaporanga, aeroporto que leva o nome de sua cidade, que é vizinha a Caratinga. Com 1.080 metros e pavimentada a pista que seria o destino do King Air é circundada por serras cobertas pela Mata Atlântica, cafezais e pomares com a mais gostosa mexerica do mundo – aquela da casca amarela e fininha – e pelo borbulhar das águas frias das cascatas que correm para o rio Caratinga afluente do rio Doce em sua margem direita na vila de Barra do Cuieté, onde nasci.

Mata Atlântica com sua exuberância, perto do local onde a Rainha da Sofrência tombou para sempre, é habitat natural do muriqui-do-norte – um dos maiores primatas das Américas. Da pista não é possível vê-lo, mas sua presença é sentida por sua barulheira.

A aproximação em Ubaporanga não é fácil pela topografia acidentada que circunda a pista e ainda há o complicador das linhas de transmissão de energia elétrica entre cidades e para as propriedades rurais. Ao lado, a BR-116, a lendária Rio-Bahia com seu traçado corcoveando entre pedras e morros.

A movimentação na pista de Ubaporanga é pequena. Pilotos em voo sempre falam pelo rádio com colegas no ar, e no solo, em seu destino. Trocam amenidades, comentam sobre condições climáticas e jogam conversa fora. Investigação dirá se o comandante Geraldo recebeu informações sobre o cenário para a aproximação, se antes operou ali, quanto a visibilidade no horário fatídico e quais teriam sido as mensagens Myday por ele enviadas.

Ubaporanga é a antiga vila de São Domingos, à margem da Rio-Bahia, espremida entre Inhapim e Caratinga e pertinho de Piedade de Caratinga. Seu aeroporto é o único na região e atende a velha e boa Caratinga, cidade-polo, que tem 93 mil habitantes.

King Air é seguro e sua estrutura muito resistente. Mesmo sobre as pedras no córrego onde caiu, o avião com a Rainha da Sofrência manteve seu charuto praticamente intacto. Em 1995 um avião desse modelo sofreu pane seca em Cuiabá, quando aproximava-se da pista em Várzea Grande e o piloto conseguiu pousá-lo com suavidade sobre duas casas no bairro Santa Isabel, de onde foi removido sem avarias.

Marília Mendonça deixa um legado de quase 200 composições e a façanha pela conquista em 2019 do Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Sertaneja – o Todos os Cantos. Com seu adeus o mundo sertanejo chora, mas a dor maior será a Léo Dias Mendonça Huff, de 1 ano e 9 meses, seu pequeno filho com o cantor Murilo Huff.

Léo para a mamãe era Leozinho, o herdeiro que certamente será forte para superar a separação. Afinal trata-se de um Príncipe filho de Sua Majestade a Rainha da Sofrência. 

Descanse em paz goianinha. Você virou a página da sofrência e ganhou a eternidade. Não silencie seu dom, Cante no palco que o Senhor reserva aos seus escolhidos. Inunde os céus com a doçura de sua voz com um coro de anjos. Anjos iguais a você.

Eduardo Gomes de Andrade edita este blog

Foto: BC Noticias

 

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