Opinião

ARTIGO: Melhor colocar as barbas de molho

Segundo contam, em tempos passados a barba era sinônimo de honra e de poder. Colocá-la de molho significava paciência, prudência, algo que parece faltar ao deputado Nelson Barbudo, mesmo sendo portador de uma barba, digamos, exuberante. 

Comunista que sou (graças a Deus!), integrante de um partido que está às vésperas de completar cem anos, recomendaria ao deputado a leitura das obras de Marx, ao tratar da paciência histórica, mas penso que a sugestão não seria bem aceita, então vamos lá percorrer outros caminhos, pois desarvorado, o deputado tem se precipitado em tecer opiniões sobre temas que muitas vezes demonstram seu completo desconhecimento ou a sua desumanização.

Se o caso for de desconhecimento, melhor, pois não é vergonha e também nunca é tarde demais para aprender, como já dizia Brecht no Elogio do Aprendizado, “Aprenda, ancião”. É dele também o poema O Analfabeto Político, que tanto inspirou Paulo Freire, a quem o deputado acusa de ter acabado “com a vida dos estudantes no Brasil” e de ter “implantado a ideologia nas nossas faculdades”. 

Não vou aqui fazer a defesa da vida e obra de Freire, Patrono da Educação no Brasil, por ser desnecessária, tal a sua magnitude. Mas com certeza, se o nobre deputado tivesse lido uma única obra sua não se encontraria nessa pior condição agora.

Outro indicador que expressa sua falta de conhecimento, é a afirmação sobre os estudantes, um segmento da sociedade do qual o deputado deveria se aproximar e beber de sua fonte inesgotável de vitalidade e juventude. 

Diferente do que diz, os estudantes brasileiros têm uma trajetória de resistência, de defesa das questões nacionais e da educação pública. Recomendo, inclusive, que leia O Poder Jovem, do Artur Poerner para começar a compreender o movimento estudantil organizado. Mas, se isso for pedir muito, que ouça com atenção a música do Milton Nascimento, Coração de Estudante, onde ele canta a renovação da esperança e os cuidados que devemos ter com os brotos, para que a “vida nos dê flor e fruto”.  E assim têm sido! Força viva, os estudantes continuam sendo uma força motriz nesse país. E se o deputado acha que estão acabados, pode se surpreender qualquer dia desses.

Sobre a questão das ideologias implantadas nas faculdades, não vamos perder tempo falando sobre um tema tão esdrúxulo quanto esse, pois corremos o risco de ter os pais da sociologia, Marx, Durkheim e Weber se revirando em seus túmulos e pensadores contemporâneos entrando num debate sem fim.

Quanto a segunda hipótese que aventei, a da desumanização, essa me parece mais grave e de difícil reversão, pois está ligada a questões da valorização da vida, aos princípios de solidariedade, do respeito ao outro e das construções coletivas.

Não me parece humano e nem prudente o ódio destilado pelo deputado ao bispo emérito Dom Pedro Casaldáliga, falecido aos 92 anos. O motivo, segundo ele, seria por considera-lo um “comunista” que, como tal seria merecedor do inferno.

Não vou me alongar falando sobre os comunistas, que são na realidade pessoas comuns, com vidas, trabalhos, motivações e interações como qualquer outro ser humano, muito embora em muitos momentos da história tenham pago com suas próprias vidas por essa opção cotidiana, como escreveu Diógenes Arruda.

E o Pedro do Araguaia, o Bispo do Povo, é identificado por Barbudo como comunista simplesmente por sua humanidade, por seu espírito solidário, por defender os pobres, os indígenas, o povo ribeirinho. Lutou até o fim para derrubar as cercas da violência dos latifúndios que ceifam centenas de vidas todos os dias.

Sua trajetória, reconhecida internacionalmente, estará para sempre nos anais da história. Poeta, é dele essa frase “viver o que se proclama, até as últimas consequências”. Assim viveu Dom Pedro Casaldáliga, proclamando sonhos, esperanças e amor. 

Assim parece viver o deputado Barbudo, proclamando o ódio e a intolerância. Melhor seria se colocasse as barbas de molho.

(*) LANE COSTA é Professora.

Presidente Municipal do Partido Comunista do Brasil/PCdoB-Cuiabá.

 

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