Opinião

Assim como a jabuticaba, o golpe com data marcada é coisa nossa

Ninguém poderá dizer que foi surpreendido

Por Ricardo Noblat

Hugo Barreto/ Metrópoles

Se o golpe militar é o degrau mais alto que Bolsonaro pretende escalar para não deixar o poder, os demais degraus até que se chegue lá se tornam automaticamente possíveis.

É sobre a naturalização do golpe em curso. Antigamente, golpe se temia, mas anunciado não era. Caso seus sinais se tornassem explícitos, os conspiradores negavam o golpe.

Havia os pregadores do golpe, mas que não participavam diretamente dos seus preparativos. Davam palpites, quase sempre desprezados. E ajudavam a criar o clima para o que viria.

A luz do dia fazia mal à tessitura do golpe, por isso ela avançava à noite e em segredo. Os conspiradores temiam falar ao telefone, porque ele poderia estar grampeado pelo governo.

Sim, pelo governo. Golpe era sempre contra o governo de então. De 1930 para cá, só houve um golpe promovido pela situação: o de 1937, sob o comando do presidente Getúlio Vargas.

Vargas chegou à Presidência por meio do que é chamado de Revolução de 30. Derrotado na eleição daquele ano, encabeçou o movimento militar golpista e derrubou o presidente eleito.

Para ficar onde estava, ele deu o golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo. Governou até 1945, foi deposto por um golpe, voltou eleito em 1950 e matou-se em 1954, para não ser golpeado outra vez.

 

A história da República brasileira está repleta de tentativas bizarras de golpes que falharam. O suicídio de Vargas com um tiro no coração adiou por 10 anos o golpe que se consumou em 1964.

O presidente Jânio Quadros protagonizou curiosa tentativa de golpe a favor. Eleito com votação estupenda, renunciou seis meses depois e levou com ele a faixa presidencial.

Queria voltar com ela no peito e nos braços do povo para governar com poderes especiais. Tomaram-lhe a faixa tão logo desembarcou em São Paulo, deixando Brasília para trás. Não lhe deram mais.

O tempo passou, mas a tentação do golpe não passou. Agora, os conspiradores estão nem aí para a luz do dia, o telefone que possa estar grampeado, os pregadores que se metem a dar palpites.

O golpe é trombeteado em jornais, rádio, televisão e redes sociais pelo presidente e os seus comparsas. Há fóruns a respeito, mesas-redondas, enquetes e até data prevista para que ele ocorra.

A dúvida, apenas, é se ele será um golpe preventivo ou reparador, se acontecerá na noite do primeiro turno, se no intervalo entre o primeiro e o segundo, ou se logo depois do segundo turno.

O golpe preventivo evita o anúncio da derrota de Bolsonaro, o reparador repara o estrago de uma derrota. Talvez fosse indicado realizar pesquisas para avaliar qual será a melhor alternativa.

Ao fim e ao capitão ninguém poderá dizer que foi surpreendido e acusar o governo de falta de transparência. À jabuticaba, coisa nossa, se juntará o golpe cantado em prosa e verso.

Ricardo Noblat é jornalista

 

 

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