Opinião

Bloco do Golpe saúda o povo e pede passagem para a Papuda

A nova jabuticaba

Bora parar com o discurso contrário à realidade de que só não houve golpe porque a vocação democrática dos militares brasileiros impediu. Ou dito de outra maneira: porque os golpistas, entre os fardados, eram poucos.

Não houve golpe simplesmente porque os comandantes das Forças Armadas, quando Bolsonaro lhes propôs em julho e depois em dezembro de 2022 rasgar a Constituição, se opuseram. Foi porque não viram condições para tal.

O governo dos Estados Unidos, e representantes de governos europeus, avisaram com antecedência que não apoiariam o golpe, e que sancionariam o Brasil ele ocorresse. Sanções pesadas, capazes de provocar sérios danos ao país.

De resto, as elites brasileiras mais influentes eram contra qualquer aventura golpista. Elas parecem finalmente ter aprendido que derrubar governos não é uma coisa boa para os negócios. Levou muito tempo para que aprendessem.

Bolsonaro ouviu da boca do presidente Joe Biden, ao pedir-lhe ajuda para derrotar Lula, que o governo americano não a daria. Foi a Casa Branca, a quatro meses das eleições, que vazou a informação sobre o pedido de ajuda. Um vexame!

E mais: três emissários de Biden, entre eles o chefe da Agência Central de Inteligência (CIA), vieram ao Brasil em 2022 e repetiram o que Biden dissera a Bolsonaro em Los Angeles durante a Cúpula da Democracia.

Pelo menos um dos emissários reuniu-se em Brasília com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, dando-lhe ciência disso. O comandante da Marinha foi o único que aderiu ao golpe para barrar a posse de Lula.

Por sua formação em primeiro lugar, e pelo histórico de suas armas, os líderes militares brasileiros podem ser tudo, menos exemplos de fiéis devotos da democracia, ou de convertidos a ela. Democracia para eles é algo relativo (alô, alô, Lula).

Não porque faltaram à aula sobre democracia. Mas porque o que aprendem nas escolas é que a democracia vive sob a constante ameaça do comunismo, apesar do comunismo ter deixado de existir em quase todo o planeta.

Diante de uma ridícula insurreição comunista em 1935, que não tinha a menor chance de triunfar, os militares, que liderados por Getúlio Vargas já haviam dado o golpe cinco anos antes, deram outro em 1937.

Em meio à ditadura do Estado Novo, deram o golpe que depôs o ditador Getúlio. Em 1950, Getúlio voltou ao poder na condição de presidente legitimamente eleito. Para não ser deposto outra vez, matou-se em agosto de 1954.

O golpe que haveria então só se consumou dez anos depois com a queda e a ida para o exílio do presidente João Goulart. Seguiram-se 21 anos de ditadura, regados com o sangue ainda quente dos torturados, mortos e desaparecidos.

Você conhece, hoje, algum oficial de alta patente, da ativa ou da reserva, que chame o golpe de 1964, que em março completará 60 anos, de golpe? Se conhece, me apresente. Quero ser apresentado à raridade.

Os militares chamam o golpe de revolução, às vezes de movimento ou de revolução democrática, uma contradição em termos porque nenhuma revolução é democrática. A revolução comunista de 1917 na Rússia foi um golpe.

Bolsonaro gastou seus quatro anos de desgoverno a minar por todos os meios a democracia ainda capenga que temos, e ao concluir que não seria reeleito, cuidou amadoramente de articular o golpe que não foi possível.

Somos o país da jabuticaba, que se orgulha dela ter nascido aqui, o que é uma fake news, uma das raras fake news inocentes. Seremos a partir de agora o país que gravou a reunião de planejamento de um golpe. Não é jabuticaba.

O capitão Luiz Carlos Prestes, à época Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro, pagou caro, e seus companheiros também, por anotar em uma caderneta os nomes de todos eles com os respectivos endereços.

A caderneta foi apreendida pela repressão e todos sofreram na pele. Como apreendido foi agora o vídeo da reunião ministerial presidida por Bolsonaro em 5 de julho de 2022 tratando do golpe que se frustrou.

Bolsonaro e seus colegas de organização criminosa pagarão caro por isso, mas com uma diferença: dentro das quatro linhas da Constituição, que os vagabundos e desqualificados se empenharam em violar.

A Penitenciária da Papuda, em Brasília, é o lugar deles.

Ricardo Noblat é jornalista

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