Opinião

Conceito de liberdade

Por José Pedro Rodrigues Gonçalves.

Armas que qualquer povo realmente necessita são livros, universidades, escolas

Atualmente entrou na moda, aqui no Brasil, falar em liberdade, exigir liberdade de opinião, não para usá-la em defesa da sociedade, mas para denegrir imagens e assassinar reputações pelo simples fato de não concordar como o pensamento do outro. 

A palavra liberdade tem origem do latim libertas, que é a condição de um ser humano que é livre e não escravo. Dependendo do âmbito em que essa palavra é aplicada e que deve significar a capacidade de agir segundo sua própria decisão, entretanto o que tem sido visto por estas bandas é a simples repetição de palavras e atitudes que não são próprias de quem as emitem.

Há uma bizarra e dolosa confusão entre liberdade de opinião e violência verbal, que acaba por invadir o espaço de cometimento de crime de injúria ou difamação; tudo pelo simples fato de não concordar com o que alguém pensa e acredita. Ora, todo indivíduo tem direito à autonomia, mas o que é isso, autonomia? É a capacidade de se guiar pelos próprios caminhos, a partir de suas próprias decisões, mas…

Como decidir sobre algo que não se conhece? Como decidir sobre qual caminho seguir se não se tem a menor ideia da direção que realmente deve ser seguida para se chegar ao destino seguro que foi escolhido?

Eis uma questão que não tem sido considerada pelos difamadores que, despudoradamente, afirmam convictos sobre algo que, muitas vezes, nem sequer ouviram falar e propalam pelos quatro cantos do cercadinho em que vivem, como verdades absolutas.

Por falar nisso, nenhuma verdade é absoluta, como também não existe liberdade absoluta, como pretendem as correntes libertárias da sociologia política, incluindo aí, também, os que chamo de bonecos de ventríloquo, que repetem ad nausean as maledicências dos que se intitulam semideuses.

Mesmo existindo vários tipos de liberdade, elas podem ser agrupadas no que se chama liberdade de vontade, que é a capacidade de decidir sobre qual é o melhor comportamento possível que permite escolher o motivo pelo qual se decide agir desta ou daquela outra forma ou simplesmente não agir.

Nenhuma pessoa pode avocar o direito absoluto de agir como bem entender, sem considerar que toda ação humana tem efeitos sobre a comunidade onde se vive e, até mesmo, sobre a sociedade em geral.

Quando o outro, a comunidade ou a sociedade não é considerada na decisão de agir, mesmo que seja pela palavra, sem avaliar as consequências de seus atos, é porque estamos na antessala da barbárie, o que deve ser considerado como algo extremamente perigoso para todos.


Imaginemos que uma pessoa que adotou como verdade, que certamente é exclusivamente sua, a liberdade absoluta, de opinião e ação, resolve invadir a sua casa pelo simples fato de ele acreditar que é livre para agir como bem entender.

Ou de sair por aí ameaçando as pessoas com um fuzil recém adquirido por ordem e graça do Presidente, que prefere comer balas de fuzil do que feijão?

Ou por outra, proferir toda sorte de impropérios diante de sua família pelo simples fato de se achar no direito de utilizar a sua liberdade de opinião? Que liberdade é essa, que agride, fere, dissemina ódio, mente, falseia um fato para interpretá-lo de outro modo e ainda insiste que está com a razão? Que tipo de sociedade é essa?

Que acredita exclusivamente naquilo que é do interesse dela? Que pretende saber mais do que a ciência e desacredita de nossas instituições para, apenas, crer em falsas verdades extraídas de mentes desequilibradas?
Toda liberdade tem um limite, que é estabelecido pelo respeito ao outro, seja esse outro quem quer que seja.

Até mesmo o anarquismo enquanto ideologia política preconizava a cooperação entre as pessoas, mas a ideologia seguida pelos cultores do ódio, baseada nessa noção libertária de um direito de opinião e de ação que não considera qualquer limite, só terá como destino o caos social, a guerra civil.

É bom lembrar que o anarquismo como ação política foi deturpado em seus evolver histórico, pois se formos analisar a origem da palavra anarquia, ela tem, também, o sentido da ‘não necessidade’ da ordem, em função de o processo civilizatório atingir um patamar ético tal que a ordem formal deixa de ser necessária.

E o Brasil? Aqui estamos vivendo nas ultimas décadas a um fenômeno intencional do “nós contra eles”, cuja origem é por demais conhecida, mas que foi exponencialmente reforçado pela exacerbação do obscurantismo oficial adotado por esse governo.

Se você discorda, as vezes nem isso, basta não aderir aos falsos moralismo de uma religiosidade mais falsa ainda, para ser colocado no rol dos inimigos e excluído até mesmo por seus familiares, devotos do mito das redes sociais.


A história da humanidade ensina, de muito bem ensinar, que o ódio nunca construiu coisa alguma; pelo contrário, foi a causa principal da derrocada de muitas sociedade humanas, razão de lutas fratricidas e da extinção de muitas famílias, sucumbidas em lutas de muitas gerações.  

Uma nação necessita de união, respeito, solidariedade, de educação e conhecimento para se desenvolver e garantir paz e bem estar ao seu povo. Para isso o fuzil torna-se uma inutilidade completa, pois ninguém aprende algo construtivo com uma arma. Fuzil ou outra arma qualquer pressupõe morte, nunca liberdade, nunca respeito, nunca qualquer ideia positiva.

As armas que qualquer povo realmente necessita são livros, universidades, escolas que incluam todos o seres humanos de qualquer sociedade, entretanto, o tal ministro da deseducação pretende excluir os que nasceram ou adquiriram alguma deficiência qualquer. Isso só comprova uma única coisa, que temos um governo realmente deficiente em todos os setores de atividades que um bom governo precisa.

Não uma deficiência como a dos atletas paralímpicos, que provaram para o mundo inteiro que essa palavra só se aplica a governantes dotados de uma miséria radical do ponto de vista moral e intelectual, aquilo que Ortega y Gasset chamou de ”não posse radical”, os despossuídos de tudo, absolutamente de tudo.   

Resta ao povo brasileiro desembainhar a sua dignidade, a sua espada afiada de saberes úteis, armar-se de empatia, de respeito às alteridades e munir-se de considerações com os próximos, diferentes, pois nunca somos iguais, levantar a cabeça e insuflar no peito o verdadeiro amor à Pátria, que não está na garupa das motocicletas nem no lombo dos cavalos. Muito menos em tanques de guerra ou fuzis

A verdadeira liberdade não está na obediência cega às ideologias, pois essa obediência é por si mesma uma prisão, uma clausura ideológica e moral que impede a livre manifestação do pensamento, que passa a ser guiado de fora, por outra pessoa, nunca por si mesmo. Ser livre é saber pensar!

José Pedro Rodrigues Gonçalves é doutor em Ciências Humanas.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *