Do leitor

Crônica: Um frio na barriga

Ibha, uma morena esbelta, de olhos castanhos, cabelos negros, aparenta ter 27 anos, nascida em Campina Grande, a capital da festa junina na Paraíba, é atendente de uma instituição numa cidade do interior mato-grossense. Noiva do nativo e membro da entidade, que tem o apelido de Magro.

De tanto falar da sua terra natal incutiu ao noivo as coisas de lá, e ele ficou encantado com a descrição sobre o evento diário, que acontece na Praia do Jacaré, no qual o saxofonista Jurandy toca o Bolero de Ravel, ao navegar até os restaurantes, conduzido na popa de uma canoa, por um exímio remador.

Ibha fala que o Jurandy já esteve no programa do Jô Soares e que já tocou mais de 3.000 vezes aquela música.

Com o casamento marcado, Magro conta os dias para usufruir do presente de casamento, que é um pacote turístico doado pelos amigos, sendo um passeio de cinco dias em João Pessoa, com a futura esposa, além do voo de avião pela primeira vez e, o ato legal do casamento.

A ansiedade toma conta do Magro.

Chegou o grande dia. Após o casório embarcam numa van com destino ao aeroporto da capital.

Tudo era novidade para o Magro. Moreno, magro, de um metro e setenta, cabelos enrolados e de um sorriso branco e fácil.

Alcançado a porta de entrada de uma enorme aeronave, através de uma escada íngreme são recebidos por duas aeromoças impecavelmente vestidas e corteses.

Ibha, experiente, já viajada em ceus de brigadeiro, conduz o noivo até as poltronas reservadas, em duplas, lado a lado com um corredor no meio. Ibha não se opõe ao pedido do Magro em sentar ao lado da janelinha.

Uma aeromoça inicia o processo das informações sobre afivelar os cintos, uso das máscaras de oxigênio e outras dicas. Magro, atento escuta tudo com curiosidade. Às vezes pergunta a Ibha o porquê daquele protocolo. Ela desconversa.

O comandante entra no sistema de rádio e avisa que foi autorizado o voo, e inicia os procedimentos. Um ronco toma conta de tudo. A tensão do Magro aumenta, o avião começa a andar e chega ao início ou fim da pista. Manobra. Acelera e dispara. Ibha olha para o Magro e segura seu antebraço esquerdo. Ele passa a sua mão direita sobre a mão de Ibha, demonstrando sentir-se seguro.

A aeronave sai do chão e o frio na barriga do Magro é intenso e ele verbaliza isso a sua esposa.

Ele já se acalmou quando ouve alguém oferecendo bebidas, cereais e bolachas.

Ficou confuso com o cereal, mas quando experimentou aquele tablete com sabor das mais diversas castanhas, não pensou duas vezes em pedir mais dois, quando a aeromoça retornou. E foi atendido. Comeu como um glutão. Tudo era novidade. Sentiu emoção quanto Ibha encostou sua cabeça no ombro dele, e começava a sonhar acordado.

Quando pousaram em João Pessoa sentiu o mesmo frio na barriga. Desceram e pegarem um táxi para o hotel.

Às nove horas do outro dia desceram para o desjejum. Um aparador exposto com guloseimas exalava diversos cheiros. Serviram-se e ficaram degustando tantas e gostosas iguarias descritas uma a uma pela Ibha.

Andaram na orla. Magro vibrava com os acontecimentos, com a maresia, com o barulho característico das ondas, que até lembravam as turbinas do avião.

Não quiseram entrar no mar, mas Ibha atendeu ao pedido do Magro para molhar os pés e sentir que a água era salgada mesmo.

Almoçaram na orla. Voltaram ao hotel até para descansarem e se prepararem para a grande visita a Praia do Jacaré.

Às 17h11 já estavam no segundo restaurante da praia tomando refrigerantes. Já tinha muitas pessoas à espera do artista.

O sol começava a se esconder.  Ouviu-se um sax ao longe. Aumentava o som aos poucos. Sentiu uma coisa boa no seu coração. A Ibha o puxou para próximo ao parapeito. O burburinho era intenso. O som era muito bom. Logo o músico entrou no restaurante e foi até a mesa do casal. Aconteceram apertos de mãos e Jurandy autografou um dvd ao Magro. Falaram trivialidades. Depois beliscaram alguns petiscos e retornaram ao hotel. Tudo perfeito.

No outro dia foram almoçar no restaurante Mangai. Saborearam inúmeras comidas e a Ibha explicou a história e composição de cada uma. Tiraram fotos junto aos displays de cangaceiros e curtiram os pormenores das roupas dos garçons, quando Ibha afirmou com todas as letras que era tudo igual ao passado.

Ficaram mais uns dias, foram nalgumas praias, Magro refez a piada com o sal da água. E, também foram visitar o início da Transamazônica, na cidade de Cabedelo.

Alcançados os objetivos fizeram o check-in e voltaram num voo perfeito.

Enamorados, felizes e com meia dúzia de barras de cereais desceram do avião e já embarcaram na van.

Quando chegaram em casa, Magro chamou a Ibha e lhe falou com uma voz chorona:

— Obrigado Ibha, por oferecer tamanha felicidade a este deficiente visual.

Hermélio Silva – Formado em Marketing, escritor com 24 livros publicados. Membro fundador da Academia Rondonopolitana de Letras – ARL, cadeira nº 06. Membro do Comitê Nacional de Cerimonial Público – CNCP. Secretário de Comunicação da Câmara Municipal de Rondonópolis (2015 e 2016, 2018…).

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