Opinião

Finalmente rachou o paredão do silêncio que protegia os Bolsonaro

Cada vez mais isolados

Hugo Barreto/Metrópoles
o presidente Jair Bolsonaro (PSL) falando ao celular - Metrópoles

O advogado Frederick Wassef cantou no seu depoimento prestado à Polícia Federal. Cantou exatamente o quê, por ora não se sabe, mas cantou. Para quem disse que não fora buscar em Nova Iorque o Rolex roubado por Bolsonaro, e foi e agora confessa que foi, é um avanço. Contra documentos mentiras não se sustentam.

O tenente Osmar Crivelatti, ex-assessor da Presidência da República, também cantou, embora menos do que a Polícia Federal desejava. É um passarinho que está aprendendo a cantar. Foi ouvido durante oito horas. Será ouvido novamente quantas vezes seja necessário para que se esgote sua produção musical.

O tenente-coronel Mauro Cid continuou cantando, e tão cedo irá parar. Com o depoimento de ontem, cantou até aqui mais de 23 horas. Cantou sobre as joias roubadas e devolvidas para esconder o crime, sobre joias não devolvidas, sobre algumas ainda desaparecidas, sobre outras que nem se sabia que existiam.

Cantou sobre as movimentações financeiras de Bolsonaro e de Michelle, sua mulher. E, naturalmente, sobre os certificados falsos de vacina contra a Covid-19. Como ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro, Mauro Cid conhece todos os seus segredos. A cantoria sobre o golpe está longe de terminar.

E pela primeira vez, um general, Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, fez parte do recém-formado Coral dos Canários do Planalto, que dispensa regente e por isso desafina de vez em quando. Rapazes esforçados, esses. Alguns se estranham, mas todos estão unidos pelo mesmo propósito: obter redução de pena.

Estão unidos também, à exceção de Wassef, por outro sentimento: o de que foram abandonados por seu tratador, que os deixou presos na gaiola, sem comida, sem afagos, sem futuro. Magoaram com razão. Foram abandonados, largados sozinhos, sujeitos às intempéries, à beira da desonra ou desonrados.

O par de canários imperiais, marido e mulher, fez as contas e concluiu que perderia menos se se recusasse a cantar. Aferrou-se à tese oferecida por Augusto Aras, Procurador-Geral da República, de que falta ao Supremo Tribunal Federal competência para julgá-lo. A competência seria da primeira instância da Justiça.

Tese fajuta porque roubo de joias, ataques às urnas eletrônicas e à democracia, tentativa abortada de golpe, tentativa fracassada de golpe, tudo tem conexão. O Supremo já deliberou sobre isso. Se for o caso, deliberará outra vez, e o placar provável é de 9 votos contra 2 – os dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Michelle anda muito assanhadinha para o gosto cerimonioso da toga. Palavra é prata e silêncio é ouro, ensina um ditado árabe. O seu marido sabe, e por isso calou-se ultimamente. Morreu pela boca, não tem por que matar-se de novo. Michelle disse: “Não posso me submeter a prestar depoimento em local impróprio”.

Foi o ministro Alexandre de Moraes, o xerife da República, que autorizou a Polícia Federal a ouvir Michelle. Se ela acha que está certa em seguir a orientação dos seus advogados, que deixe a palavra com eles, não precisa expor-se. Muitos menos apelar para o deboche, o que fez na semana passada ao falar das joias:

“Falaram tanto de joias que em breve teremos um lançamento: Mijoias para vocês”.

A mudez do par de canários imperiais deixa seus antigos devotos sem argumentos para defendê-lo. Isso é mais corrosivo do que possa parecer neste instante. Para os devotos, a acusação de golpe vale nada, porque era para ter havido um golpe, sim, pena não ter sido um êxito. Roubo é diferente. Ladrão é mal visto.

Ricardo Noblat é jornalista

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