Opinião

O “Estado paralelo” ameaça engolir o Estado de Direito no Brasil

Quando acordarmos poderá ser muito tarde

Por Ricardo Noblat

O governador Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, é o “Senhor Platitudes”. O que há de mais banal é o que costuma sair de sua boca. Foi assim outra vez ao falar sobre a execução de três médicos na Barra da Tijuca, que deixou um quarto gravemente ferido.

Castro disse que foi um crime “brutal”, chamou o crime organizado de “máfia”, garantiu que “o Estado não se abala” e acrescentou que esse não é “um problema pontual”. Por fim, elogiou a Polícia Civil que em menos de 12 horas levantou o roteiro feito pelos bandidos.

Segundo ele, a polícia estava pronta para prender os assassinos, mas foi “surpreendida” pela punição aplicada a eles “pelo tribunal do tráfico”. Apareceram os quatro corpos dos supostos responsáveis pela chacina. Candidamente, Castro explicou:

“O que nos parece é que até eles se indignaram com a ação dos seus próprios e fizeram essa punição interna. Temos que achar quem cometeu esse segundo assassinato. Tem que ver se tinha mais gente envolvida. A investigação não muda em nada”.

Em resumo: o crime organizado matou os médicos, investigou, processou, condenou à morte os assassinos e matou-os. Tudo em 12 horas. E apressou-se a avisar à polícia onde os corpos poderiam ser encontrados para não serem confundidos com outros.

Por que agiu assim? Porque os assassinos erraram o alvo. Era para terem matado um miliciano envolvido com o tráfico de drogas que recentemente fora solto por ordem da justiça e morava a 700 metros do quiosque da praia onde os médicos estavam.

O miliciano Taillon Barbosa, de 26 anos, é filho de Dalmir Pereira Barbosa, chefe do grupo paramilitar da comunidade de Rio das Pedras, e muito parecido com o médico Perseu Ribeiro de Almeida, um dos mortos. Acidente de trabalho, portanto. Será mesmo?

O crime organizado é muito exigente. A morte dos executores da chacina foi discutida em vídeo chamada e autorizada pelos chefes do tráfico no Complexo da Penha: Edgar de Andrade, o Doca; Adriano de Sá, o Abelha, e Carlos dos Santos, o Carlinhos Cocaína.

O “Estado paralelo” não admite falhas. Para ele, a Constituição em vigor no país não vale nada – só vale a sua, não escrita, mas conhecida por todos os seus integrantes. Ai daquele que a desrespeitar. O caso da morte dos médicos é só mais um exemplo.

As penitenciárias viraram escolas do crime uma vez que não servem para recuperar ninguém. Ali, a polícia não entra, a não ser para combater rebeliões, e quando o faz é para matar. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Só perde para as dos Estados Unidos e China. Dos cerca de 900 mil presos, 44% ainda não foram julgados, e os que foram não tiveram suas penas confirmadas em última instância. Estão em situação irregular. Disso se aproveita o crime para atrair recrutas.

A direita não tem uma política de segurança pública, salvo facilitar o porte de armas para que as pessoas se defendam. A esquerda também não tem, nunca teve, salvo cobrar respeito aos direitos humanos, no que não está errada, mas só não basta.

O “Estado paralelo”, em velocidade alucinante, se espalha pelo país, ameaça engolir o Estado de Direito e põe em risco a democracia. Se um dia acordarmos para isso, talvez seja tarde demais.

Ricardo Noblat é jornalista

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