Opinião

O inglês do Bial

 Por JERRY MILL

Falo inglês com certa fluência. É minha segunda língua.” (Pedro Bial, em depoimento à revista Quem, em 2012).

Quem acompanha os altos e baixos da televisão do país desde meados da oitava década do século 20 certamente tem um seleto grupo de profissionais da área do jornalismo e do entretenimento nacional que aprendeu a amar e a odiar nem sempre na mesma proporção ou pelos mesmos motivos. Um exemplo, muito provavelmente, é o camaleônico Pedro Bial (seu nome completo), que, com seu 1,92 metro de altura, olhos verdes e um bom bocado de dedicação e talento, conquistou o seu lugar na cultura popular brasileira.

Ariano, nascido em 29 de março de 1958, no Rio de Janeiro, caçula dos três filhos do pai publicitário e diretor de teatro e da mãe psicanalista e assistente social – ambos alemães que vieram para o Brasil depois que Hitler assumiu o poder – Bial se formou em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) carioca em 1980 e, já ano seguinte, começou a trabalhar na TV Globo, onde foi editor, repórter, correspondente internacional e (ainda é) apresentador.

Além disso, ele trabalhou na Globonews, no GNT (forma curta para Globosat News Television, onde fez seu primeiro talk show: Programa com Bial), escreveu vários livros – é poeta também! -, foi roteirista, diretor e produtor de documentários e filmes. Antes disso tudo, porém, aos 14 anos, depois da morte do pai, ele passou um ano estudando nos Estados Unidos. E essa experiência nos States durante a juventude exerceu considerável influência na sua vida pessoal e profissional nos anos que se seguiram.

Quem o vê hoje, pleno e confortável, apresentando o seu programa Conversa com Bial no fim de noite da emissora do plim-plim, ou a sua versão do (quase sempre polêmico) Linha Direta, talvez nem saiba que ele trabalhou por oito anos no escritório da Globo em Londres, que ele mesmo classificou como “os melhores anos” da sua vida profissional. Não por acaso, também durante essa fase de ouro da vida dele, a língua inglesa estava presente novamente.

Agora, convenhamos, um profissional como ele, com enorme experiência nacional e internacional, que cobriu copas do mundo de futebol masculino, jogos olímpicos e entrevistou diversas personalidades de fama mundial, não pode ter um domínio more-or-less da lingua franca do momento, apesar da perda de parte da audição (do ouvido direito) que ele sofreu em 1994, quando cobria a guerra da Bósnia. Concorda, dear reader?

Yet, linguisticamente falando, todo esse currículo joga a favor e contra ele, em especial se levarmos em consideração o fator idade. Afinal, aos 65 anos, ele já não tem a mesma facilidade e perspicácia para colocar em ação os movimentos do corpo e os comandos da mente de forma natural e instantânea – em frações de segundos, talvez. Isso ficou claro para mim em algumas das entrevistas que eu assisti em que ele conversa em inglês com os convidados do Conversa. E uma delas em particular, feita com o ex-presidente americano Barack Obama (levada ao ar em novembro de 2020), ilustra bem o que eu estou dizendo, ou tentando dizer.

Nessa entrevista (de aproximadamente 30 minutos de duração, retirando-se os extras) – disponível no Youtube, of course – ele, dentre outras ações, aos 6 minutos e 54 segundos, hesita ao dizer 2011: balbucia “two…”, mas acaba optando por “twenty eleven”. Já em outra passagem da entrevista, aos 14 minutos e 51 segundos, 2009 sai mais facilmente como “two thousand and nine”, em vez de “twenty oh nine”. Antes disso, com o intuito de sairmos do universo dos números, aos 11 minutos e 3 segundos, ele pronuncia o segundo b da palavra ‘bombing’, o que também não é usual em inglês. Por fim, já no fim da entrevista, aos 39 minutos e 39 segundos, ele diz “Use your mask!” (“Coloque a máscara”), no lugar de “Wear your mask!” – um exemplo claro de tradução literal, e equivocada.

Now, eu não quero dizer com isso que o Pedro Bial desaprendeu a língua inglesa. Longe de mim sequer sugerir tal infâmia! Na verdade, Bial surpreende em vários momentos exatamente pelo uso de um vocabulário diversificado, que se dá ao luxo de incluir o que restou do seu sotaque britânico, e o estabelecimento de um clima de mútua admiração/intimidade entre ele (o entrevistador) e Barack Obama (o entrevistado) – nada menos que um dos homens mais poderosos e admirados do mundo na história recente.

O que eu quero deixar patente é a necessidade de, assim como o Bial fez e faz, apesar das (inevitáveis?) derrapagens linguísticas, colocar o nosso conhecimento/domínio da English language à prova sempre que possível, independentemente dos resultados ou dos comentários alheios. Pois, assim como a nossa energia/juventude se esvai aos poucos, quando você menos esperar, a sua bagagem lexical e cultural em língua inglesa (ou portuguesa) pode te deixar na mão. Ou não?

P.S.: Para os curiosos, ressalte-se que Bial está no seu quinto casamento, é pai de quatro filhos e fala/lê em português, inglês, francês, italiano e alemão. No meio e no final dessa entrevista, em que ele mais ouve do que fala, Bial conta com a participação/ajuda de Flávia Barbosa, editora-executiva do jornal O Globo na época, que contribui com três perguntas.

 

JERRY MILL é presidente da ALCAA (Associação Livre de Cultura Anglo-Americana), membro-fundador da Academia Rondonopolitana de Letras (ARL) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis

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