Opinião

Se Flávio Bolsonaro tiver razão, seu pai cometeu o crime perfeito

Inelegibilidade à vista

Desopilar quer dizer descontrair, espairecer, relaxar, aliviar. Bolsonaro, o primeiro presidente do Brasil a não se reeleger desde que existe reeleição, está em um condomínio de luxo na Flórida, Estados Unidos, desopilando, disse seu filho Flávio, senador.

Segundo ele, a volta do pai ao Brasil “pode ser amanhã, dentro de 6 meses ou nunca”. E, aqui, o que ele disse de mais interessante: o pai “está tranquilo” e não receia que o Tribunal Superior Eleitoral o torne inelegível por causa do golpe fracassado de 8 de janeiro.

“Ele não tem nenhuma responsabilidade sobre o que aconteceu no Brasil. Se estivesse sentado na cadeira de presidente, se poderia falar que facilitou alguma coisa, mas o presidente já não era Bolsonaro”.

Flávio culpa Lula por não ter feito nada para desativar o acampamento diante do QG do Exército de onde saíram os golpistas que atacaram a Praça dos Três Poderes. E culpa também Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado e do Congresso.

À época da pandemia da Covid-19, Flávio foi contra a instalação de uma CPI para investigar eventuais falhas do governo no combate ao vírus que mataria quase 700 mil pessoas. Agora, ele defende a instalação de uma CPI para investigar a tentativa de golpe:

“Houve falha na segurança no dia 8. Acho que a CPI seria o instrumento adequado para averiguarmos falhas por ação ou omissão porque não se pode fazer investigação seletiva. Estamos aqui prontos para assinar uma CPI ampla.”

Não lhe cobrem coerência. Mas ao negar qualquer laço de parentesco do seu pai com o golpe, Flávio quer dizer, embora não seja sua intenção, que Bolsonaro simplesmente cometeu um crime perfeito, o sonho impossível de todos os criminosos.

 
Quem, mais do que Bolsonaro, desqualificou o processo eleitoral brasileiro nos últimos quatro anos? De fato, começou a desqualificá-lo antes mesmo de assumir a presidência ao dizer que só não se elegeu no primeiro turno porque houve fraude.

Quem mais afrontou o Judiciário? Nenhum presidente, nem antes nem depois da ditadura de 64, o fez. Bolsonaro chegou a encomendar o voo rasante de um avião da FAB sobre o prédio do Supremo para estilhaçar seus vidros e assustar os ministros.

Nos festejos do 7 de setembro de 2021, chamou de “canalha” o ministro Alexandre de Moraes, e afirmou que não mais respeitaria suas ordens. Derrotado, não reconheceu a derrota e jamais pediu aos militares para esvaziar os acampamentos.

Acampamento não é novidade em Brasília. A novidade foi acampamento à porta de quartel com gente a pedir uma intervenção militar para impedir a posse de um presidente eleito. Dali partiram os vândalos e os terroristas do 8 de janeiro.

Não é segredo: Bolsonaro discutiu o golpe com políticos, ministros e comandantes militares desde meados de novembro até quase o final de dezembro. O então comandante da Marinha dizia abertamente que Lula não subiria a rampa do Palácio do Planalto.

Só não houve golpe porque a maioria dos generais do Alto Comando do Exército foi contra. Por pouco, muito pouco, na noite do 8 de janeiro, não aconteceu um conflito armado entre o Exército e a Polícia Militar do Distrito Federal.

Na casa do ex-ministro bolsonarista da Justiça, Anderson Torres, foi apreendida a minuta de um decreto de intervenção na Justiça Eleitoral. Valdemar Costa Neto, presidente do PL de Bolsonaro, revelou que muitas minutas do golpe circularam em Brasília.

Crime perfeito não existe. Se não for por esse, será por outros crimes que Bolsonaro se tornará inelegível. Não se descarte a hipótese de que possa ser preso.

Ricardo Noblat é jornalista

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