Opinião

Uma conversa de bar.

Rafaela Eid Lucio de Lima

Saindo de casa, antes de chegar no bar, guardo minhas guias no bolso. Não estou me sentindo muito segura de chegar lá e ser indagada sobre os “colares” diferentes e coloridos pendurados no meu pescoço.

Quando chego no destino, encontro meu colega de bar já sentado em uma mesa me esperando, com um copo de cerveja para cada. Papo vai, papo vem e, depois de vários assuntos tratados, surge a indagação: – Qual a sua religião?

Por um momento a reflexão: Será que falo? Se eu falar que sou espírita estou mentindo, se eu falar que sou da macumba não sei a reação. Bom, depois de um tempo refletindo, respondo: – Umbandista.

 

E agora? Será que vem julgamento? Não consigo decifrar o que se passa na cabeça do meu companheiro de bar. Faz cara de confuso, franze a testa e diz: – Não é aquela religião da macumba lá? Sim, é. Mas sinto o tom pejorativo na fala.

É sempre assim, sofro a represália, ouço perguntas absurdas, depois tento explicar e seja o que Oxalá quiser. Como passar para esse tipo de gente o sentimento de paz que tenho ao pisar descalça no chão do terreiro?

Antes disso, de saudar Maria Mulambo em seu altar, pedindo proteção e ajuda. Como explicar que espero ansiosamente as quartas-feiras para poder bater minha cabeça e declarar meu amor às entidades e aos Orixás?

Bom, eu tento, mas parece que não sou ouvida. Pior ainda quando ouço os pontos cantados em casa e tenho medo de sofrer preconceito dos meus vizinhos. Sempre penso: Será que alguém vai reclamar.

Depois de um tempo de conversa sobre minha religião, meu colega comenta comigo, em um tom de julgamento, sobre o som de tambor que ouve toda sexta-feira perto de sua casa: – Toda vez que passo em frente faço até o sinal da cruz, vai saber o que esse povo está fazendo lá. Deus me livre!

Eu dou risada, não porque é engraçado, mas porque sinto pena da ignorância do sujeito. O tambor da macumba, que conduz a gira, prepara os médiuns e chama as entidades é visto sempre com maus olhos. Seja ele nas músicas gravadas, seja ele ao vivo no terreiro.

Hoje, enquanto macumbeira, entendo perfeitamente o significado do tambor. Quem está no terreiro ouve os batuques e se alegra, sabe que lá vem mais uma noite de experiências magníficas. Das 19h às 22h cantamos, dançamos, aplaudimos e conversamos.

Chegam em terra caboclos, pretos velhos, baianos, ciganas, exús, pombagiras, representantes dos Orixás. Nem sempre todos em uma só gira, mas eles sempre vêm para nos ajudar.

Em seguida, finalizo minha cerveja e levanto me despedindo. Tiro as guias do bolso e as coloco no pescoço em forma de protesto. Estou cansada de ouvir tantos absurdos. Afinal, por que ofende tanto?

Rafaela Eid Lucio de Lima é universitária de Jornalismo na PUC-SP.

RepórterMT

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