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Dia do Cerrado: agricultura quilombola ajuda na preservação do bioma em Mato Grosso

Saberes ancestrais e conexão com a natureza permitem cuidado e recuperação do solo

Foto: Laura Ferreira/Comunidade Mutuca/Quilombo Mata Cavalo

Neste sábado (11), comemora-se o Dia Nacional do Cerrado. Instituindo em 2003, a data celebra a importância desse bioma para a biodiversidade brasileira. Para se ter uma ideia, o Cerrado é morada de 200 espécies de mamíferos, 180 répteis, 150 anfíbios, além de  abrigar mais de 11 mil plantas nativas e 1200 espécies de peixes.

Considerado o berço das águas, ele ainda abastece 8 importantes bacias hidrográficas, sem contar que é o segundo maior bioma da América do Sul, com uma extensão de 2.036.448km², cerca de 23,9% do território brasileiro. Essa riqueza, porém, está sendo ameaçada constantemente pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas. Mas, o que fazer para preservá-la?

Quilombolas
Os quilombolas da comunidade Mutuca, do Quilombo Mata Cavalo, no município de Nossa Senhora do Livramento (38 km de Cuiabá) uitlizam práticas ancestrais que ajudam a preservar o bioma, por meio de um sistema de rodízio de roçados. 

“A gente deixa a área recuperar a mata por um período de três a cinco anos e, enquanto isso, plantamos em outro espaço. Quando o solo desse espaço começa a enfraquecer, a gente muda o plantio para área recuperada. Assim, o processo de rodízio é feito nesses locais, sem que haja necessidade de expandirmos a agricultura para novas áreas, o que pode gerar muita degradação”, explica Laura Ferreira da Silva, uma das lideranças de Mata Cavalo, que coordena o projeto Muxirum Quilombola, apoiado pelo Programa REM Mato Grosso. 

Cultura milenar

Ela conta que a lógica de plantio dos quilombolas é milenar, com raízes que remetem ao continente africano. Uma tradição que, mesmo diante de tantas violências ao povo negro, resiste ao tempo, sendo repassada de geração em geração. 

Com ela foi assim. Desde os dois anos de idade, ia para a roça com os avós para aprender a plantar milho, arroz e mandioca. “Dessa época, lembro eu, pequenininha, jogando as sementes de milho na terra e as enterrando com os pezinhos. Minha vó falava: ‘não é pra  jogar um monte de sementes. São apenas três por buraco’”, recorda com carinho.

Ela cresceu e, juntamente com outras lideranças de Mata Cavalo, procura manter essa boa relação com a terra, por meio de práticas agroecológicas que os quilombolas chamam de Muxirum.
A palavra indígena, que foi incorporada ao linguajar quilombola, significa “celebração”, um esforço coletivo da comunidade em torno de um objetivo comum. “No Muxirum, nada é feito sem consultar a mãe natureza. É para ela que pedimos licença para iniciarmos o roçado. Para nós, uma árvore significa vida”, acrescenta Laura.

No Muxirum, a agricultura é entendida como uma festa e toda comunidade se une para fazer o plantio e a colheita. Uma família que termina o roçado vai ajudando a outra e assim, sucessivamente. Num mesmo espaço, são cultivados diversos alimentos como mandioca, arroz, feijão, batata doce, abóbora, banana e hortaliças. Os alimentos são para o dia a dia, mas também servem de fonte de renda para a comunidade.

“Boa parte das frutas, verduras e legumes, nós vendemos in natura. A parte que sobra, a gente faz beneficiamento para agregar valor. Nisso, surgem produtos como a farinha de mandioca e a balinha de banana, que nós embrulhamos na própria folha de bananeira. É um produto nosso que tem muita saída, inclusive sendo vendido para fora do país”, ressalta Laura. 

Muxirum

A prática do Muxirum no Cerrado é feita sem a utilização de agrotóxicos, que podem comprometer as bacias hidrográficas do bioma. As sementes são armazenadas em “tuias”, um recipiente feito de palha de babaçu, que ajuda a manter as propriedades do cereal. 

“Essas sementes são chamadas de criolas e passam de geração em geração. Nós nunca plantamos todas as sementes que produzimos. Durante a colheita, sempre separamos as sementes mais nobres, com as melhores propriedades, para a próxima semeadura”, diz Laura.

Algumas dessas sementes são armazenadas por até 2 anos, com cinzas produzidas por fogões a lenha muito usados na comunidade. “Aprendemos com os nossos ancestrais que as cinzas possuem propriedades que evitam os fungos. Assim, não precisamos utilizar agrotóxicos”, explica. 

Fortalecimento

Entretanto, para que a comunidade consiga fortalecer cada vez mais a prática do Muxirum, bem como realizar uma série de eventos, como feiras e a “Festa da Semente”, que ajuda a divulgar e vender os produtos, é preciso apoio. E este apoio tem vindo por meio do Programa REM Mato Grosso, que é executado pelo Governo do Estado, através da doação de insumos agrícolas, estrutura e logística para os quilombolas.

O coordenador do Subprograma Agricultura Familiar de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCT) do Programa REM MT, Marcos Balbino, conta que o projeto Muxirum Quilombola, da comunidade Mutuca, deve receber investimento de R$ 1,5 milhão.

Esse investimento deve beneficiar a prática da agricultura familiar por cerca de 500 famílias quilombolas, divididas em 17 comunidades localizadas nos municípios de Poconé, Cáceres, Barra do Garças e Nossa Senhora do Livramento.

“Há muitos anos eles lidam de forma sustentável com a terra e com os recursos naturais. Nesse sentido, o papel do REM é oferecer condições e oportunidades para que eles, cada vez mais, tenham autonomia sobre seus territórios. Todo mundo ganha nesse processo: o meio ambiente, que é preservado, e as famílias, que garantem o sustento e a renda”, destaca Balbino.

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